sábado, 5 de novembro de 2011

Nunca Mais


O ponteiro avisava que era pouco mais de meia-noite. O sangue fresco impregnado nas roupas deixava-lhe com uma impressão assustadora. Tanto quanto sua expressão. Já sem saber o quanto era ódio ou cansaço.

Afinal, o cadáver lhe dera enorme trabalho. Atormentado pelos gritos ainda vivos na memória. Gritos de dor, piedade ou suplica pela vida que ele arrancava-lhe impiedosamente. Aqueles gritos ecoariam pra sempre? Pensou no futuro. Se é que ainda podia sonhar com um. O fato é que aquilo lhe atormentava, muito. 

Desviou do cemitério aumentando ainda mais o percurso até seu refúgio! Agora sim sentia medo. Os passos que ouviam pareciam não ser apenas dele. Aquele dia fora realmente insuportável. Difícil. E pensar que só tinha vinte e poucos anos. Pouco demais pra ver ao longe a esperança indo embora.

Um vulto veio em sua direção. Meia noite e dezessete. “Meu Deus! Todo esse sangue em minhas roupas.” Por um instante pensou em quem estaria mais amedrontado! Abaixou a cabeça e diminuiu os passos. Percebeu que o vulto em sua direção continuava no mesmo passo! Lembrou novamente do cadáver se debatendo contra seus duros golpes implorando pela vida. O coração disparado ajudou a pesar ainda mais sua consciência! Levantou os olhos e abaixou em questão de segundos. O suficiente para perceber que ele o encarava friamente ao cruzar-lhe o caminho! Voltou a olhar no mesmo instante assustado! Tinha certeza que conhecia aquela pessoa mesmo olhando tão repentinamente. Com o coração ainda mais disparado, virou-se para reconhece-lo...

Não havia ninguém naquela rua, além dele mesmo! Correu desesperado pra casa! Aflito! Gritando que não mataria mais! Foi assim o primeiro e último dia de açougueiro do Abelardo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário